Maria dos Aflitos, foi presa na sexta-feira (31), após envenenar Jocilene da Silva com café; o marido dela, Francisco de Assis Pereira da Costa, mantinha livros nazistas em casa.
As investigações da Polícia Civil do Piauí apontaram uma nova reviravolta no caso da família envenenada por pesticida em Parnaíba. A matriarca, Maria dos Aflitos, foi presa na sexta-feira (31) por participação na morte de seus filhos e netos. Ela também confessou ter matado a vizinha, Jocilene da Silva, com café envenenado, na tentativa de incriminá-la pelas outras mortes e livrar o marido, que foi detido no dia 8 de janeiro por suspeita de arquitetar os crimes.
Francisco de Assis Pereira da Costa é acusado de envenenar dois filhos e cinco netos de Maria dos Aflitos em um almoço no primeiro dia do ano, com as sobras de um baião de dois servido no Réveillon. Com Francisco já preso, a intenção de Maria era que a morte de Jocilene, por envenenamento, fosse simulada como um suicídio, para que ela adquirisse a culpa de todos os outros crimes e Francisco fosse liberado.
Em nota, a polícia apontou ainda que Maria mantinha um relacionamento amoroso com Jocilene, o que a tornava uma pessoa próxima de seus familiares. A vítima havia sido acompanhante dos netos de Maria dos Aflitos quando estiveram internados por envenenamento.
— O que houve é que eu estava cega de amor pelo Assis, e para ter ele de volta, poderia acontecer o mesmo caso (de ele ser inocentado). Gosto muito dele, ainda gosto — disse Maria em depoimento à polícia.
Maria dos Aflitos teria topado participar do crime por não ter condições de sustentar a família. Já a principal motivação de Francisco seria o desprezo que ele tinha pela família da companheira. Ele controlava os alimentos da casa, os mantendo armazenados em um baú trancado, cuja chave ele carregava pendurada no pescoço.
O acusado inclusive mantinha livros nazistas em casa. Um deles tinha sublinhado um trecho em que dizia que envenenamentos deveriam ser feitos com venenos sem cheiro e sabor.
Em nota, a polícia informou que os envenenamentos foram “premeditados e executados de forma meticulosa”. Maria dos Aflitos e Francisco vão responder pelas mortes das oito pessoas.
Primeiras mortes
A primeira morte da família foi registrada em 22 de agosto de 2024, quando João Miguel Silva, de 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, de 8, passaram mal após ingerirem alimentos contaminados. Os meninos eram filhos de Francisca Maria da Silva e netos de Maria dos Aflitos. Eles foram internados em Teresina e morreram semanas depois: João Miguel em 12 de setembro e Ulisses Gabriel em 10 de novembro.
A princípio, Francisco de Assis afirmou às assistentes sociais do Hospital Estadual Dirceu Arcoverde e à polícia que os meninos haviam consumido cajus supostamente doados por Lucélia Maria da Conceição, vizinha dos fundos da residência. No dia seguinte, 23 de agosto, Maria chegou a registrar um boletim de ocorrência contra a vizinha, acusando-a diretamente pelos envenenamentos. Enquanto isso, Francisco de Assis entregou à polícia uma sacola contendo cajus que supostamente seriam aqueles doados por Lucélia.
Após ficar cinco meses presas, a Justiça decretou a soltura de Lucélia, após um laudo pericial não apontar a presença de terbufós — substância conhecida como chumbinho.
Mortes do Réveillon
No primeiro dia do ano, a família de Maria dos Aflitos se reuniu para um almoço com as sobras de um baião de dois servido no Réveillon. As nove pessoas que comeram o arroz passaram mal, e cinco morreram.
O envenenamento matou Manoel Leandro da Silva, de 18 anos, Francisca Maria da Silva, de 32 anos, ambos enteados do suspeito, além de duas crianças, filhos de Francisca: Igno Davi da Silva, de 1 ano e 8 meses, Lauane da Silva, de 3 anos, e Maria Gabriela da Silva, de 4.
Diferentes versões em depoimentos
O delegado Abimael Silva revelou que Francisco apresentou mais de três versões diferentes sobre os acontecimentos do réveillon.
Em um primeiro depoimento, Francisco afirmou que não havia se aproximado da panela com o alimento, mas posteriormente, declarou ter tocado. Em seguida, disse que não havia orientado ninguém a mexer no baião de dois. Para o delegado, as afirmações contrastam com os outros depoimentos dos envolvidos.
Para a polícia civil, a motivação do crime está ligada ao relacionamento conturbado do suspeito com a enteada morta. Em um depoimento de pouco com mais de 2 horas e 40 minutos, Francisco declarou que nutria sentimentos de ódio e desprezo por Francisca.
— Ele se referia a ela como ‘uma criatura com mente tola, matuta, morta de preguiça, não serve para nada’. Também manifestava nojo e raiva dela, além de afirmar que era inútil e passava os dias escutando músicas de apologia e músicas de mala — explicou o delegado Abimael.
Francisco desejava que Francisca saísse de casa e dizia que ela não procurava homem que trabalhava, só “vagabundo”.
Segundo a investigação, o suspeito mantinha distanciamento dos dois enteados, com quem não falava. Ele chegou a descrever os filhos de Francisca como “primatas” e “pessoas não higiênicas”. O padrão de comportamento foi levado em conta para pedir a prisão de Francisco.
— Ele é uma pessoa com uma personalidade muito complexa, fala de forma espontânea, mas demonstra claramente sua aversão pela convivência com Francisca e seus filhos — afirmou o delegado.
Baú trancado
Durante buscas na casa foram apreendidos aparelhos celulares, documentos e um baú que o suspeito mantinha trancado ao lado do fogão.
— Esse baú, fechado com cadeado, ficava em um local inacessível a qualquer outra pessoa na residência. É o único lugar da casa que poderia esconder algo sem que os outros moradores soubessem — disse o delegado.
Diante dos indícios, a polícia solicitou a prisão temporária de Francisco por 30 dias. O inquérito tem prazo de um mês para ser concluído.
— Levando em consideração que ele era o único com motivação plausível para cometer um crime tão raivoso e torpe, aliado às constantes contradições nos depoimentos, decidimos pela prisão temporária — explicou o delegado.
A Polícia Civil destacou que o inquérito continua em andamento e que outras possibilidades estão sendo analisadas. Foi reforçado que ainda há perícias pendentes e dados de celulares apreendidos que precisam ser examinados.
O Globo